Que
“ista” sou eu? Vamos dar nome aos bois? (Por Rafael Teixeira)
As manifestações em busca de maiores e melhores
direitos que explodiram em junho deste 2013 e continuam acontecendo, vêm me
fazendo refletir e questionar sobre democracia, participação popular,
autoritarismo, violência, vandalismo...enfim, termos que estão na boca de progressistas
e conservadores, atores e expectadores deste momento histórico que o Brasil
atravessa.
Antes de tudo, gostaria de atualizar a
percepção do papel sociopolítico que penso cumprir nesta sociedade. Nasci no
bairro da Tijuca, Zona Norte da cidade Rio de Janeiro e ao longo dos meus 28
anos, recém cumpridos, sofri ao não me sentir identificado com o que observo ao
meu redor. Hoje em dia tento desconstruir minhas verdades construídas a partir
da educação que me foi dada (sim! Fui passivo na enorme maioria das vezes,
embora queiram que eu diga sempre que sou ativo com “a” maiúsculo!) e analisar
alguns porquês desta percepção. Ouvi a vida toda muita gente falar, por
exemplo, de racismo, colonização, autoritarismo, machismo, mas quase sempre num
sentido amplo, vazio de conteúdo e, portanto, de significação.
Arriscando colocar algumas perspectivas para
dar sentido a esta realidade (a minha, em especial, pois para tentar falar das
percepções alheias, preciso primeiro entender como fui “construído”), reflito
sobre alguns episódios cotidianos. Não seria pura questão de ideologia, um
sujeito de classe média daqui do bairro intitular-se “branco”, se está na cara
que ele é mestiço como eu, aliás, como as gentes dessas terras latino-americanas?
Por que os “brancos” mestiços que vejo por aí criticam quando outro mestiço
diz-se preto (ou “negro”, como queiram chamar) e consegue uma vaga na faculdade
por cotas raciais? Seria a falta de uma educação multicultural a raiz de todos
os problemas?
Pego um celular ultramoderno desses criados nos
“estates” chamados de “smart phone”, que na língua que nos foi imposta aqui no
“Brasil” seria um “telefone inteligente”, e vejo quão burro sou eu. Pareço um
índio manipulando a tela “touch”. No entanto, vejo isso como uma forma de
resistência. Afinal por que é feio ser índio?
Ao
analisarmos a carga dos termos que usamos ao falar nossa língua materna (?), o
português, podemos levantar alguns dos porquês dessa estética preconceituosa.
Somos “americanos” pela “sorte” que tivemos de termos sido “descobertos” (?)
por Américo Vespúcio, macho alfa, colonizador, saqueador de riquezas. Somos
brasileiros pela “sorte” de nascermos neste país chamado pelos portugueses de
Brasil, fruto da abundância de pau-brasil que havia por aqui pronto para ser saqueado
em prol da estética real. Sim! Roubavam-nos as riquezas naturais para tingir
tecidos de vermelho, cor predileta da realeza colonizadora. Vale a pena lembrar
que quem decidiu, com base na força, o limite dos “países” que existem hoje,
bem como iriam funcionar também foram nossos queridinhos colonizadores, machos
alfa, através de um tratado assinado lá em Madrid. Nossa jurisprudência é
greco-romana; o calendário que utilizamos foi criado pelo papa Gregório, e
atualizado pelo imperador romano Júlio César, ambos machos alfa europeus. A
colonização veio (e vem) trazendo tudo de fora e acabando com as culturas
daqui, por isso não contamos mais o tempo em luas como antes faziam os índios
dessas terras. Pobres índios. Homens e mulheres que por equívoco aliado ao
autoritarismo gerado pela força das armas dos colonizadores foram assim
chamados. Para termos ideia da confusão, os gênios advindos lá da terrinha
acreditavam terem dado a volta ao mundo e chegado à Índia após terem cruzado os
mares antes inexplorados. Viajavam com a perspectiva de enriquecer-se através
da abertura de novas rotas comerciais para o saqueio riquezas, já que os
poderosos árabes haviam fechado o Mar Mediterrâneo, também através da força, e
frustrado a empreitada ibérica de colonizar aquele local. Índios pobres. Não
foram respeitadas sua cultura, sua linguagem, sua estética e sua noção de
desnudes. Foram chamados de selvagens, vagabundos, vândalos e baderneiros, por
não aceitarem de forma pacífica o trabalho imposto pelos portugueses e
espanhóis pouco chegados ao trabalho. Claro! Manda quem pode, obedece quem tem
juízo! Por conta disso, tiveram a ideia genial de escravizar populações
inteiras de africanos, reis, rainhas, pensadores, homens, mulheres e crianças
para trabalharem, sem qualquer remuneração, de modo forçado nas lavouras
brasileiras. Obviamente, não lhes seria mais permitido acreditar no que acreditavam, dançar o
que dançavam, comer o que comiam, viver como viviam. Pobres pretos.
Por sorte existem outro tipo de europeu. Machos
alfa europeus brancos, detentores do saber, com ideais comunistas,
imortalizados pelos alemães Karl (ou Carlos?) Marx e Friedrich (ou
Frederico) Engels e anarquistas, vinculados
pelo teórico russo Mikhail Bakunin que nos ajudaram a brigar pela destruição
dessa ideologia europeia de estados e de classes socioeconômicas, surgidas
antes da onda feudalista, e atualizadas pelos capitalistas guiados pelo
filósofo e economista escocês Adam Smith (macho alfa). Contudo, essa luta ainda
não foi vencida, mesmo que hoje (e, sobretudo hoje) possamos perceber com maior
intensidade as ranhuras e rupturas do sistema capitalista. Comunistas e
anarquistas, homens e mulheres, adultos e crianças, caminham lado a lado nas
manifestações pelas ruas de nosso país com o desejo de expulsar os senhores
FIFA (machos alfa) dessas terras e travar com o seu principal sonho de consumo,
o de realizar a Copa do Mundo (lotada de times europeus) por estas bandas.
Buscamos igualdade, liberdade e fraternidade?
Ainda que imerso nessa sociedade “ocidental”, capitalista, me esforço para não
fechar o meu pensamento para outras possibilidades existenciais. Quero
relativizar o ponto de vista de quem está olhando, e assim trabalhar minha
humanidade. No entanto, ao utilizar os pronomes possessivos meu, minha, e falar
de mim, de “eu”, não estaria dando sinais do egoísta que sou? A quem importa
minha opinião? Deve ser esta imposta aos outros? Devo continuar reproduzindo
esse autoritarismo que aprendi com meus professores? E meus pais? Foram
autoritários? Quantas violências sofri? Quantas pratiquei? Por que não dialogar
com meus comuns e pensar outras possibilidades diferentes as idealizadas pela
escola capitalista, individualista? Ser de direita ou ser de esquerda?
Girondinos ou jacobinos? Seguir a tradição judaico-cristã ou não? Monogamia ou
putaria? Estar do lado da civilização ou do vandalismo? Ser ou não ser? Por que
ser shakeaspereano? Onde me enquadro? Egoísta, capitalista, comunista,
anarquista, machista, feminista...que “ista” sou eu? Preciso ser normal? O que
é a normalidade? Quais e quantas opções existenciais foram e são violentamente
encobertas desde a colonização feita ao longo dos tempos pelos machos alfa,
donos do saber? Como seríamos se tivéssemos sido colonizados por mulheres? Lutaríamos
contra o feminismo imposto? Sería bonito ser machista? O que pensam disso os oprimidos e as oprimidas
das áfricas, das américas, das ásias e das oceanias? O que queremos quando
lutamos por mais liberdades? Participação popular neste sistema criado por
europeus? Por que só é ordem essa ordem? Realmente é necessário rotularmos
nossas vidas para vivermos tranquilos? É necessário dar nome aos bois? Ficam as
dúvidas. Sobretudo as desse homem-fêmea, careca-cabeludo, barbudo, barrigudo-porém-magro,
cabeçudo-cabeça-vazia, anarco-comunista-capitalista,
roqueiro-samba-funk-axé-sertanejo, hetéro-liberal-homo-bissexualmente-afetivo,
que lhes escreve a procura de respostas.